quarta-feira, 30 de março de 2022

Ditadura em democracia

 O exercício da ditadura funda-se, como em qualquer outro tipo de regime, na ignorância e no medo - que geralmente andam a par. Os pretextos são sempre pequeninos, as justificações, pelo contrário, são grandiosas: ou é a saúde publíca (seja lá isso o que for - eu só conheço a saúde, ou doença, de cada pessoa particular) ou é uma qualquer possibilidade de insegurança. Acontece que nenhuma instituição ou governante - seja ou não democraticamente eleito - é o pai de todos e de cada um.   

"Cuidado que vai estar sol", "agasalhe-se que vai estar frio", "não saia de casa que há poeiras no ar". Hoje tudo são recomendações, estados disto e daquilo, alertas por tudo e por nada, com instituições que ninguém elegeu a ditarem as possibilidades da vida de cada um. As pessoas ficam menos autónomas, mais deprimidas e incapazes de tomar decisões. Sim, responderão os governantes eleitos que legitimam o poder das ditas instituições, "mas estão vivas!" ... de resto por que é que as pessoas têm de ser capazes de tomar decisões? Afinal não é para isso que elegem quem os governe e os dirija? No fundo é como na tropa: decide quem dirige e o rebanho só tem que obedecer; é o caminho para a felicidade. O plus, no caso dos governantes em relação a generais, é que eles têm a legitimidade do voto  que os colocou nessa posição.

É, sobretudo, nos contextos de submissão de rebanho - por institucionalização ou por comodidade -, que o comportamento do artista pode ser útil como exemplo de preservação de individualidade. Convém deixar claro que, se institucionalizado, não vejo como possa ser-se artista; afinal, não é sem motivo que se diz que "não há almoços grátis".

Claro que subsiste sempre a questão da linguagem e do sentido das palavras. Diz assim, Igor Stravinsky, na página 12 de Poetics of Music:

"... It is always necessary to guard against being misrepresented by those who impute to you an intention not your own. For myself, I never hear anyone talk about revolution without thinking of the conversation that G. K. Chesterton tells us he had, on landing in France, with a Calais innkeeper. The innkeeper complained bitterly of the harshness of life and the increasing lack of freedom: It's hardly worth while - conclude de innkeeper - to have had three revolutions only to end up every time just where you started. Whereupon Chesterton pointed out to him that a revolution, in the true sense of the word, was the movement of an object in motion that described a closed curve, and thus always returned to the point from where it had started ..." 

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