quinta-feira, 3 de julho de 2025

 A perfeição como objectivo.

A uniformidade como princípio.

A subjugação como modelo de felicidade.

 

Começa-se por definir um conceito de perfeição - as máquinas são um bom exemplo dessa situação. Que uma máquina é perfeita, significa que ela é eficaz e que cumpre a função para que foi feita. Pense-se por exemplo numa máquina fotográfica: ela é perfeita se a óptica (a lente) é sem defeito, se o corpo é estanque à luz, se o obturador respeitar os tempos definidos. Não cumprindo estes predicados diz-se que a máquina não presta, que está estragada, enfim, que é inútil. Mas será assim? E se às máquinas, como às pessoas, se reconhecer o direito à idiosincrasia?

Acontece que - e mantendo-nos ainda no exemplo da máquina fotográfica - se uma centena de máquinas em condição de perfeição, fizerem (cada uma delas) a fotografia de um mesmo objecto num mesmo momento, o que resulta são 100 fotografias exactamente iguais; indiscerníveis na atribuição de cada uma das fotos à respectiva máquina que a fez. Gera-se assim o princípio da uniformidade.

Ocorre o mesmo com as pessoas se não se reconhece a diferença idiosincrática de cada indivíduo - que dessa maneira passa à condição de mero singular, ou seja, uma unidade indiscernível entre tantas do mesmo género.

Deixo a metáfora das máquinas fotográficas e fixo-me na associação dos ditos seres humanos. Se, como no caso das máquinas, só as pessoas pensando e comportando-se de modo socialmente perfeito (definido sabe-se lá por quem e para o quê!) forem consideradas socialmente úteis e os outros forem descartados como estragados e por isso inúteis para a construção social, então o que resulta é um modelo de sociedade uniformizada quer na acção quer nas ideias - é o politicamente correcto. Ou seja, podem ser aos milhões os singulares mas no fim é como se fosse só um; como se esses milhões de corpos tivessem todos a mesma cabeça. Numa sociedade em que todos agem e pensam de acordo com um modelo único - como se todos fossem orgãos de um só corpo - então as decisões dos ditos  "indivíduos" seriam exactamente iguais de singular a singular. Num simples exercício de economia, bastaria então que um único singular desempenhasse a tarefa de decidir. Mas isso é o que propõe e oferece o ditador ( personificado ou na forma de um avatar AI) seja qual for a envergadura em termos da hierarquia global do poder.

Pensando racionalmente esse seria então o modelo ideal e possibilitante da felicidade dos singulares constituintes da sociedade. De facto, livres da obrigação de tomar decisões - que sempre acarretam responsabilidades - os singulares, libertados desse fardo, poderão então entregar-se eficazmente à concretização dos trabalhos e objectivos que lhes são atribuidos.

Será a isso que as pessoas aspiram?

É que está ser essa a direcção em que se movem.  

terça-feira, 17 de junho de 2025

Ernst Junger

 Releio The Worker de Ernst Junger. É um ensaio espantoso escrito em 1932 mas no qual se mostram já as consequências, e mais do que isso a finalidade, das transformações (ditas evolução) em curso.

"led to a strange phenomenon to which we are witnesses: to the invention of the artificial genius, to whom falls the task to play, supported by means of advertising... (...) The lack of uniqueness in the individual sense which characterises the form given to landscape is repetead in the individual."


quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

As coisas como elas são - Things as they are

 Num dado momento propus-me fazer um "filme" de animação 2D, usando para isso somente um pc, uma mesa gráfica e software open source. Tempo passou. Agora Island está concretizado (80 e poucos minutos de duração).

uma frame extraída:



A frase em grego (Aristóteles) diz básicamente que "se não houver déspotas (senhores) não haverá escravos (servos).

Senhor, Você - contração de Vossa Mercê -, Sir, Monsieur... são palavras omnipresentes nas relações sociais. Na medida em que é a linguagem que conforma o pensamento, dá para ver o tipo de sociedade em que existimos. É politicamente incorrecto dizer que é esclavagista. Mas como o comportamento social é geralmente hipócrita, está tudo certo, porque o objectivo é sempre o de ascender na hierarquia. 


quarta-feira, 30 de março de 2022

Ditadura em democracia

 O exercício da ditadura funda-se, como em qualquer outro tipo de regime, na ignorância e no medo - que geralmente andam a par. Os pretextos são sempre pequeninos, as justificações, pelo contrário, são grandiosas: ou é a saúde publíca (seja lá isso o que for - eu só conheço a saúde, ou doença, de cada pessoa particular) ou é uma qualquer possibilidade de insegurança. Acontece que nenhuma instituição ou governante - seja ou não democraticamente eleito - é o pai de todos e de cada um.   

"Cuidado que vai estar sol", "agasalhe-se que vai estar frio", "não saia de casa que há poeiras no ar". Hoje tudo são recomendações, estados disto e daquilo, alertas por tudo e por nada, com instituições que ninguém elegeu a ditarem as possibilidades da vida de cada um. As pessoas ficam menos autónomas, mais deprimidas e incapazes de tomar decisões. Sim, responderão os governantes eleitos que legitimam o poder das ditas instituições, "mas estão vivas!" ... de resto por que é que as pessoas têm de ser capazes de tomar decisões? Afinal não é para isso que elegem quem os governe e os dirija? No fundo é como na tropa: decide quem dirige e o rebanho só tem que obedecer; é o caminho para a felicidade. O plus, no caso dos governantes em relação a generais, é que eles têm a legitimidade do voto  que os colocou nessa posição.

É, sobretudo, nos contextos de submissão de rebanho - por institucionalização ou por comodidade -, que o comportamento do artista pode ser útil como exemplo de preservação de individualidade. Convém deixar claro que, se institucionalizado, não vejo como possa ser-se artista; afinal, não é sem motivo que se diz que "não há almoços grátis".

Claro que subsiste sempre a questão da linguagem e do sentido das palavras. Diz assim, Igor Stravinsky, na página 12 de Poetics of Music:

"... It is always necessary to guard against being misrepresented by those who impute to you an intention not your own. For myself, I never hear anyone talk about revolution without thinking of the conversation that G. K. Chesterton tells us he had, on landing in France, with a Calais innkeeper. The innkeeper complained bitterly of the harshness of life and the increasing lack of freedom: It's hardly worth while - conclude de innkeeper - to have had three revolutions only to end up every time just where you started. Whereupon Chesterton pointed out to him that a revolution, in the true sense of the word, was the movement of an object in motion that described a closed curve, and thus always returned to the point from where it had started ..."