domingo, 21 de junho de 2009

A arte e as almas incertas...

Quando relia a Prática de oito figuras, de António Ribeiro Chiado deparei-me com esta fala, a propósito de trovador que precisava de chamar outros que o assegurassem da valia do que fazia.

a passagem:

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E mais vos digo senhor
que cagueis no trovador
e cagai em sua veia
e cagai em seu primor
porque um homem capaz
para bem entre capazes
não há de chamar rapazes
que lhe vejam o que faz
se quer ter com o mundo pazes
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A natureza da linguagem empregue, e que não é corrente no autor, mostra o quanto detestava a incerteza criativa.

Também eu penso que o fazer da arte não é coisa para almas incertas. É, isso sim, território de quem, sabendo ao que vai, não se deixa embalsamar em ideias feitas, nem se cristaliza em posturas institucionalizadas, e não recusa nunca a capacidade de aquisição contínua de saber.
Porque como a arte não anda ao invés de todo o resto, têm os que a fazem, que saber-lhe a alma e conhecer-lhe o corpo. Que é como quem diz: técnicas e matérias...
Hoje, para tudo se reclama a necessidade de especialização,conhecimento profundo, domínio das matérias. E só para a arte se incentiva a mediocridade, a ignorância e a deriva, o não se saber o que se quer... ou o não se querer nada. E academizou-se esta postura.

A arte é o último reduto do espirito humano... e até os deuses são criação sua. Para vaidade e aquisição de estatuto social, há outros meios; assim como para a ocupação de tempos livres, há outros fazeres.
A arte é uma coisa muito séria. É a vida e a morte de alguns.

*

Para não deixar uma imagem falsa do que escrevia Chiado (que a linguagem da citação acima podia induzir), mais um pouco da mesma obra:

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Ora notai de quantas maneiras
vivemos nesta prisão
uns se queixam sem razão
outros porque têm canseiras
uns ricos e outros não
uns morrem de inveja pura
outros medram pela língua
a outros nunca lhes mingua
fortunas e má ventura
outros medram por ladrões
outros por mexeriqueiros
e outros por línguareiros
e outros por afeições
e outros por demos inteiros
uns vão morrer por ter bem
outros gastam a fazenda
outros vivem com contenda
outros vão
e outros vêm
não há quem os entenda
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